Decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que o produtor (empresário) rural pode computar o período anterior à formalização do registro na Junta Comercial para cumprir o prazo mínimo de dois anos exigido na Lei da Recuperação Judicial (artigo 48 da Lei 11.101/2005).
A Lei da Recuperação Judicial determina o prazo de dois anos do exercício regular da atividade empresária para o devedor requerer a recuperação judicial e para o seu pedido e processamento é necessário a “certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores”, ou seja, o registro na Junta Comercial.
Ocorre que o Código Civil, ao tratar sobre a empresa e sobre o empresário, em especial da caracterização e inscrição, prevê que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural. Além disso, a Lei facultou ao Produtor Rural que exerce atividade rural como sua principal profissão a faculdade de se submeter, ou não, ao regime jurídico empresarial.
Dessa forma, embora o registro na Junta Comercial seja condição indispensável para o processamento do pedido de recuperação judicial, de acordo com os julgados das duas Turmas de Direito Privado do STJ, ele é desnecessário para provar o regular exercício profissional nos anos anteriores, podendo ser realizada essa comprovação de outras formas que demonstrem a atividade rural em relação ao período anterior à inscrição.
Importante observar que desde 1964 o Estatuto da Terra já continha a expressão e conceito de empresa rural. O Estatuto da Terra teve forte influencia do Código Civil italiano de 1942, que adotava a Teoria da Empresa, que posteriormente foi adotada em nosso Código Civil de 2002, igualmente influenciado pela legislação italiana:
“Empresa Rural” é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico [trecho vetado] da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias”.
Seguramente serão travados muitos debates até que se forme uma jurisprudência consolidada acerca da recuperação judicial do produtor rural, e é importante que esse instituto jurídico esteja ao alcance dos produtores, inclusive para salvaguardar o objetivo da recuperação judicial que no seu artigo 47 assim está definido: “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Seria importante que fossem realizadas alterações na Lei de Recuperação Judicial para regular este instituto jurídico com clareza em relação ao produtor rural, conferindo a segurança jurídica necessária. Os defensores das trandings, bancos e empresas químicas alegam que a RJ do produtor rural provocará redução de oferta do crédito rural, e também elevar o valor desse crédito. A nossa percepção, como advogados agentes deste setor e resguardando os interesses dos produtores, é que tal situação apenas resguardará uma digna chance daqueles homens e mulheres do campo que, endividados e na iminência de quebrarem, tendo de entregar suas terras e bens aos credores, possam se reerguer e seguir produzindo.
Fonte:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.800.032 – MT
RECURSO ESPECIAL Nº 1.811.953 – MT
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17112020-Decisao-da-Terceira-Turma-consolida-jurisprudencia-do-STJ-sobre-recuperacao-do-empresario-rural.aspx